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Salvador, Bahia, Brazil
A língua está em mim, me perpassa, faz parte da minha formação como ser social inserido num grupo. Compõe ainda a minha própria formação acadêmica já que resolvi após o primeiro curso superior (Administração), cursar Letras. Essa língua me representa em todos meus conflitos, pois suas características são iguais as minhas, um ser multifacetado, de exterior sóbrio e estático, mas no íntimo um turbilhão em movimento. Assim como um rio congelado que apresenta a sua superfície estática, mas o seu interior está sempre em movimento, num curso perene. Capacidade de adaptação e compreensão com singularidade e regionalidades tolerantes como próprios à língua. Escrever é para mim, como respirar, sinto essa necessidade e é através da escrita como afirmou Aristóteles que transitamos desde o terror até a piedade de nós mesmos e do outro. Esse ofício da escrita nos eleva, nos projeta, nos ressignifica quando tocamos o outro com as nossas palavras, seja no universo ficcional, biográfico ou autobiográfico. Escrever é uma necessidade, escrever é transpirar no papel as nossas leituras.

domingo, 31 de julho de 2016

ALIENAÇÃO







                 Segundo Fanon (1951) não basta apenas mudarmos a nossa visão de mundo, para que deixemos de ser alienados, é necessário mudar o mundo. Para o autor a alienação colonial consiste na impossibilidade do indivíduo se constituir enquanto sujeito da sua própria história. Então, se estivermos impossibilitados de reagir à colonização, seremos sempre alienados, ainda que estejamos conscientes de tudo que acontece em torno de nós;(saibamos quem são nossos opositores/adversários).
                  Fanon pensou as consequências dessa  alienação de duas formas: subjetiva e objetiva; o indivíduo negro para ser aceito como humano deveria agir/pensar como os chamados "brancos'. Tal comportamento, segundo o autor, traria consequências objetivas (concretas) e subjetivas (psicológicas). Pois, embora o ser humano seja constituído de razão e emoção, a sociedade ocidental tende a separar a razão da emoção como duas coisas distintas, mais ainda, ao definir o indivíduo como ser humano, a sociedade ocidental afirma que o ser humano é a razão, pondo assim a emoção no campo da natureza, afirmando ainda  que há uma necessidade de controle dessa emoção por considerá-la uma  ameaça a razão.
                   O autor afirma ainda, que no Século XVIII, os Iluministas (europeus) definiram os humanos com base em si mesmo (tendo a si próprio como modelo), trazendo assim uma definição truncada (incompleta) que não contemplava o indivíduo negro, já que essa classificação iluminista englobava apenas o sujeito branco (humanidade)  representado pela razão, (que denotava valores como civilização, religião, cultura, tecnologia e o estado) e o corpo como algo a a ser dominado (domado/domesticado). Fanon chama atenção para as conclusões iluministas: se o branco é tido como humano, e o indivíduo que não é branco? Esse não é considerado tão humano assim.
Logo, para se humanizar o individuo negro teria que se embranquecer, inclusive através  do adestramento do corpo (comportamento, roupas, linguagem e até através das relações afetivas).
               Em sua obra  Pele Negra Máscara Branca, Fanon cita um exemplo intersexual para demonstrar o sofrimento psicológico como consequência subjetiva: "Da parte mais negra de minha alma, através da zona de meias-tintas, me vem este desejo repentino de ser branco. Não quero ser reconhecido como negro, e sim como branco. Ora — e nisto há um reconhecimento que Hegel não descreveu — quem pode proporcioná-lo, senão a branca? Amando-me ela me prova que sou digno de um amor branco. Sou amado como um branco. Sou um branco. Seu amor abre-me o ilustre corredor que conduz à plenitude... Esposo a cultura branca, a beleza branca, a brancura branca. Nestes seios brancos que minhas mãos onipresentes acariciam, é da civilização branca, da dignidade branca que me aproprio." (p.69). Nesse capítulo, o autor demonstra uma das formas do sujeito negro se apropriar da cultura branca através dessa relação amorosa.
               Percebemos assim, o sofrimento psíquico do indivíduo ao perceber-se negro num mundo regido por ideais branco e que não aceita o diferente dos seus padrões. O autor afirma ainda que tem algo que iguala homens e mulheres negros em relação a esse tema, que é: a busca por esse "outro" é mediada pelo racismo num lugar em que o branco é tratado como sinônimo de humanidade. Logo, esse negro, irá tentar ser branco (se apropriar desse embranquecimento) em vários aspectos, a exemplo da literatura, nos hábitos, costumes, porém essa tentativa torna-se limitada porque apesar do desejo de ser branco (agir /viver como branco), ele percebe que continua sendo negro, mesmo que ele acredite que é branco. (sempre será visto como negro).
               Fanon afirma  que algumas pessoas irão perceber que por mais que elas tentem ser negras, (viver e agir de acordo com sua identidade )elas não vão conseguir, outras não. Por outro lado, há ainda aqueles que amaram muito o mundo branco e agora percebem que não são aceitos. Esse amor dedicado ao mundo branco, torna-se-á ódio por tudo que representa esse mundo branco. O autor afirma ainda que esse ódio é bom pois, ajuda a desestabilizar a hegemonia branca. No entanto, ressalta que nenhuma luta política se faz pelo ódio, já que esse sentimento impede a percepção do sujeito sobre  as afinidades entre os indivíduos. Ao enxergarmos o outro como depositário de todas as agressividades (o corpo/ a agressividade/ a barbárie), deixamos de perceber a nós mesmos  como sujeitos do processo. Tentando explicar assim, todos os conflitos como culpa do outro, não identificando  a nossa responsabilidade como ator social (que reproduz os mesmos comportamentos errôneos ), então faz-se necessário superar esse ódio.
                O autor alerta ainda sobre o risco do sujeito negro aceitar essa dicotomia (branco-razão/ negro-emoção)  que o indivíduo branco estabeleceu afirmando que a razão é superior a emoção. Fanon considera perigoso para o indivíduo negro apenas inverter essa noção/conceito, pois o negro continuaria sendo emoção e o branco razão, no entanto, a emoção seria valorizada em detrimento da razão. O autor chama atenção para os debates sobre identidade, afirmando que tais debates só são produtivos se valorizarmos nossa identidade sem desvalorizar a identidade do outro.
                 Portanto concluímos que, para Fanon a luta não é identitária, nem pela preservação da cultura,  mas pela libertação do indivíduo e pela possibilidade do ser humano ressignificar  essa cultura.