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Salvador, Bahia, Brazil
A língua está em mim, me perpassa, faz parte da minha formação como ser social inserido num grupo. Compõe ainda a minha própria formação acadêmica já que resolvi após o primeiro curso superior (Administração), cursar Letras. Essa língua me representa em todos meus conflitos, pois suas características são iguais as minhas, um ser multifacetado, de exterior sóbrio e estático, mas no íntimo um turbilhão em movimento. Assim como um rio congelado que apresenta a sua superfície estática, mas o seu interior está sempre em movimento, num curso perene. Capacidade de adaptação e compreensão com singularidade e regionalidades tolerantes como próprios à língua. Escrever é para mim, como respirar, sinto essa necessidade e é através da escrita como afirmou Aristóteles que transitamos desde o terror até a piedade de nós mesmos e do outro. Esse ofício da escrita nos eleva, nos projeta, nos ressignifica quando tocamos o outro com as nossas palavras, seja no universo ficcional, biográfico ou autobiográfico. Escrever é uma necessidade, escrever é transpirar no papel as nossas leituras.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

PRODIGIUM









O clássico mais célebre que traz a alegoria do monstro e monstruosidade inerente ao ser humano, talvez seja The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde, O médico e o monstro Robert Louis Stevenson.
Nessa obra percebemos o indivíduo e seus conflitos, preso num só corpo o convívio dual de criaturas distintas, uma humana e a outra bestial. É interessante perceber a construção desse personagem pelo autor: Robert Louis Stevenson em The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde, ilustre médico, percebe-se dividido entre duas personalidades, ambas, para ele, completamente verdadeiras. Uma é a do emérito doutor, filantropo respeitado e exemplo de conduta. A outra, reprimida durante toda a sua vida, é a do hedonista, que busca o prazer carnal, que comete crueldades e vilanias, sem responsabilidades. Busca, então, na ciência, a maneira de resolver esse impasse. A poção que permite a transmutação entre as personalidades é, ao mesmo tempo, amostra das incríveis possibilidades abertas pela ciência em acelerada evolução e exemplo da angústia de não saber até onde ela poderia ir, já que a invenção subjuga o próprio cientista, que não pode mais controlá-la. Ainda que de forma não premeditada, Stevenson transporta para a literatura o debate político e social vigente, (Karl Marx viveu em Londres de 1850 até sua morte, em 1883). Ao mesmo tempo que traz o progresso e a riqueza, a ciência traz a pobreza e a destruição, como se podia observar na própria Londres da época.  
A invenção do Dr. Jekill explicita ainda um tema importante relacionado à moral e à sociedade: o bem e o mal convivem dentro de cada ser humano. Mr. Hyde não ganha vida pela ingestão da beberagem, e sim é libertado do interior de Jekill, onde já vivia, embora reprimido.
Não é difícil encontrar evidências de uma tese sobre o consciente e o subconsciente nas entrelinhas dessa obra de ficção do final do século XIX. Para isso, basta ler o último capítulo do livro em que o médico, num momento de lucidez, narra em uma carta todo seu trabalho e pesquisa dos últimos anos. A escolha feita pelo autor do personagem como um médico, profissão tida como nobre desde a Grécia Antiga fundada com o juramento de Hiprócrates não é inocente.
O médico um indivíduo ético, sério comprometido com sua profissão que seria a de salvar vidas e curar o mundo de suas mazelas através da ciência vê-se num dilema.
No clássico de Stevenson, esse ser nobre é também um ser dual, guarda em si, uma criatura horrenda, mas qual seria esse propósito do autor? O de confinar num único corpo dois seres de natureza tão diferentes? O Médico e o Monstro?
Segundo Jeha (2008) Monstros corporificam tudo que é perigoso e horrível na experiência humana. Eles nos ajudam entender e organizar o caos da natureza e o nosso próprio. Nas mais antigas e diversas mitologias, o monstro aparece como símbolo da relação de estranheza entre nós e o mundo que nos cerca.
A partir dessa idéia, entendemos que no clássico o Médico e o Monstro o autor propõe a catarse do indivíduo através da manifestação da personalidade /alter ego do Monstro, para demonstrar que o ser humano não seria tão bom, tão perfeito como poderia se esperar.
O conflito psicológico apresentado na obra também demonstra a eterna luta do indivíduo contra sua natureza terrena/bestial e egoísta em contrapartida com os valores estabelecidos pela sociedade e dos dogmas da Igreja que si mesclam a esses valores sociais.
Sobre isso entendermos que a alteridade do indivíduo está sempre condicionada aos valores do Estado que na Idade Média era regido pela Igreja Católica, e hoje é tido como Laico, porém se apresenta na verdade como Científico, pois o governo é orientado pelas descobertas cientificas e avanço da ciência. Todo governo se apoia na ciência para governar.
E é nessa sociedade científica que nos é apresentado à nova concepção para Monstros e monstruosidades. Segundo Jeha o monstro como uma metáfora do mal: deixando um pouco de lado a criatura em si, sua aparência e deformidades para focar nas suas monstruosidades, aqueles atos monstruosos que as pessoas cometem. Podemos citar os grandes ditadores como: Stálin, Hitler, e o terrorista Bin Laden que tinham algo de bom, mas cometeram atrocidades, atos de crueldade que foram além do que se esperava de um ser humano.
O autor destaca que o cerne da questão é a capacidade do homem de exceder o limite da maldade e a que a literatura é um bom campo para analisar isso.
Se na obra de Stevenson, o médico e o monstro, inaugura a catarse do indivíduo na literatura da época, na atualidade esse monstro e essa monstruosidade é repensada, não tem lugar fixo nem definição estabelecida, o monstro para Jeha é um vazio que se pode preencher com vários medos, acusações, castigos. Ele pode ser uma criatura, uma pessoa ou mesmo um lugar.
Desse modo, entendemos que tais construções do monstro e monstruosidades fazem parte do indivíduo, e podem estar relacionadas a aspectos diversos como: forma de obter coesão do grupo, toda comunidade precisa ter união interna para agir contra um inimigo externo. Uma das maneiras mais fáceis de obter isso é usar a imagem do monstro, transformando o inimigo em monstro, é possível unir todos contra ele.
 O monstro pode ser resultado ainda, de uma falha no conhecimento humano-tanto no sentido científico, quanto moral e social, ou seja, aquilo que o homem não conhece ainda, tende a ver como monstruoso. Da mesma forma, a partir do momento em que se torna natural, passa a fazer parte da realidade das pessoas e deixa de ser monstro.
Assim o monstro é sempre caracterizado pela ideia de excesso, irreal e de anormal.