Hoisel (2006) irá
afirmar que a concepção gerada pela crítica positivista do século XIX, passou a
valorizar a biografia do ponto de vista que o texto era produto do autor, ou
seja, o autor possuía autoridade sobre o seu próprio texto.
Hoisel afirma que o
conceito de biografia nem sempre existiu, muitos autores foram criando, de
forma que era uma parte da historiografia como um gênero literário. (como a
narradora de Hatoum, se apóia na sua história e nos relatos de outros a
respeito de si mesma para compor a sua “autobiografia” endereçada ao irmão).
É a partir do
renascimento que surgem as condições históricas efetivas para que a biografia e
a autobiografia possam se afirmar como forma discursiva, que se constituirá
pela presença do sujeito a partir de um duplo e simultâneo foco. Como o sujeito
reage ao mundo e como o mundo reage ao sujeito. Hoisel afirma que na idade média,
faltava essa inter-relação, uma vez que, nesse período o sujeito ainda não é
pensado a partir de suas dimensões psicológicas.
Desse modo, Hoisel
elenca Rousseau como responsável pelos traços que constituem a autobiografia
moderna, o que Costa Lima vai considerar como paradigma da autobiografia
moderna, destacando cinco características principais desse gênero: definição da
autobiografia como documento de uma vida, narrado por um narrador competente,
prazer que o sujeito encontra em se narrar, revelação da sua própria intimidade
e a paixão indagadora (podemos perceber todas essas características no texto de
Hatoum, apesar desse texto se composto de um mosaico de citações (narrativas).
Diante disso, Hoisel
afirma que apesar de determinados aspectos da biografia já existirem dentro de
outros textos, somente Rousseau irá determinar definições mais claras, como a
questão do pacto do sujeito com a linguagem. Esse pacto consiste em registrar
com veracidade a sua própria vida, (o que pretende a narradora de Hatoum ao
organizar um conjunto de vozes na sua narrativa), desse modo a biografia teria
características como: autenticidade, veracidade, exemplaridade, legitimidade.
Mais tarde, Rousseau
sofre um choque ao constatar que na modernidade, não é possível dizer tudo
através da obra autobiografia, devido à dificuldade que está relacionada à
linguagem.
Hoisel ressalta ainda
que os estudos psicanalíticos abalam a concepção de literatura (biografia /
autobiografia) no século XIX, por questionar o poder e o querer autorial,
criticando assim, o nascimento do texto de forma que o autor que o produz trás
consigo todas as interpretações corretas.
Hoisel conclui sobre a
questão biográfica, que nós já temos a realidade tal qual ela é; uma produção
da linguagem. É interpretar essa realidade só é possível através de um olhar
que codifica ou decodifica através da linguagem, levando em consideração o seu
contexto histórico, cultural (conhecimento e experiências passadas), segundo a
sua percepção individual.
Logo a biografia não é
apenas a reprodução do que foi vivido factualmente.
A obra é uma vivencia
imaginária que percorre várias territorialidades onde o autor esteve físico e
emocionalmente envolvido, e que resultou em experiências múltiplas.